O futebol também se decide em salas fechadas
O torcedor imagina que o futebol se resolve apenas no gramado, sob o sol inclemente, com a bola queimando os pés e a arquibancada exigindo heroísmo. Doce ilusão. O destino dos clubes também se decide em reuniões silenciosas, onde a paixão dá lugar à estratégia e uma vírgula pode valer milhões.
Foi nesse ambiente que o presidente do Vitória, Fábio Mota, sentou-se à mesa do Conselho Técnico da Série A, no Rio de Janeiro, e saiu de lá com a convicção rara de que, desta vez, algo realmente foi discutido com seriedade.
O mercado não pode ser um cadafalso
A ampliação do período de transferências, de seis para doze rodadas, foi celebrada como quem afrouxa o nó da forca. Antes, o campeonato era um mecanismo cruel: errasse o elenco, cumprisse a sentença.
“O campeonato estava muito engessado e essa mudança foi muito positiva.”
O Vitória conhece bem esse drama. Clube que já atravessou o inferno da queda sabe que não se pode administrar um torneio nacional como se fosse uma repartição sem alma. O futebol brasileiro é vasto, desigual e imprevisível — e precisa de regras que respeitem essa natureza.
O chão onde se joga também importa
Houve ainda o debate sobre os gramados sintéticos. Aqui, o Vitória foi categórico. Defendeu o campo natural, o chão imperfeito, irregular, humano — aquele que exige técnica, leitura e adaptação.
Os clubes pediram que a CBF não aprove novos gramados artificiais até 2026 e sugeriram a criação de uma comissão de jogadores para opinar sobre o tema. Nada mais justo: são eles que caem, escorregam e sentem o impacto da modernidade mal calibrada.
O rebaixamento como trauma nacional
Fábio Mota foi além e tocou na ferida mais sensível do futebol brasileiro: o rebaixamento de quatro clubes. Num país continental, de calendário desumano e disparidades históricas, cair não é apenas perder divisão — é perder fôlego, planejamento e, muitas vezes, identidade.
“Um campeonato do tamanho do Brasil precisa rever isso.”
Não é um discurso corporativista. É o alerta de quem já viu clubes serem empurrados ao abismo por detalhes administrativos, enquanto outros sobrevivem graças à estabilidade que só a Série A oferece.
O Vitória, sustentado por uma torcida que nunca abandona, por um elenco que aprendeu a sofrer e por treinadores que tiveram de apagar incêndios em sequência, sabe que o futebol precisa evoluir fora das quatro linhas para que o espetáculo dentro delas continue vivo.
No fim, enquanto dirigentes debatem regras e calendários, o torcedor rubro-negro segue fiel, como sempre esteve: disposto a empurrar o time, cobrar quando preciso e acreditar mesmo quando a lógica recomenda desistir. Porque, no futebol, como na vida, só sobrevive quem insiste.



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