Treinador revisita salvamentos históricos, rejeita o acaso e reivindica aquilo que o futebol brasileiro mais teme: tempo.
Por F. M. Ravenscroft — Salvador • 16 de dezembro de 2025
Chamam-no de bombeiro, como quem reduz um homem ao instante do incêndio. Jair Ventura aceita o apelido sem vaidade nem constrangimento, mas faz questão de avisar: não vive de apagar incêndios — vive de permanecer depois que a fumaça some.
Na tarde de ontem, Jair Ventura não parecia um técnico recém-saído de uma batalha contra o rebaixamento. Havia nele uma calma quase desconcertante, típica de quem já caminhou demasiadas vezes sobre o fio da navalha e aprendeu a não olhar para baixo.
Em 2025, foi exatamente esse o cenário no Barradão. O Vitória ardia em urgência, cercado por números frios e pela velha ameaça da degola. Jair chegou quando o relógio já gritava — e saiu com o time salvo. Chamaram de mais um milagre. Ele chamou de trabalho.
Não era estreia nesse papel. Botafogo, em 2016, arrancado do Z-4 e conduzido à Libertadores. Sport, Juventude, Goiás — clubes que sobreviveram quando o campeonato parecia uma sentença irrevogável. O currículo de Jair Ventura não se escreve com troféus reluzentes, mas com algo mais raro: permanências.
Ainda assim, o treinador rejeita a caricatura. Seus olhos brilham quando fala de continuidade. Lembra o Botafogo de 2017, com 73 jogos, quartas de final de Libertadores, semifinal de Copa do Brasil. Recorda o Atlético-GO: primeiro a salvação, depois o título estadual, depois quinze vitórias seguidas — uma sequência que o futebol brasileiro, sempre apressado, finge esquecer.
“Os melhores trabalhos são quando eu tenho continuidade.”
O Vitória, desta vez, parece ter ouvido. Após evitar o rebaixamento, o clube renovou o contrato e entregou a Jair Ventura algo que vale mais que reforços: confiança. Em 2026, o treinador comandará o Rubro-Negro em quatro frentes — Campeonato Baiano, Copa do Nordeste, Copa do Brasil e Brasileirão.
No futebol brasileiro, treinadores costumam ser descartáveis. Entram pela porta dos fundos e saem pela mesma porta, quase sempre antes de desfazer as malas. Jair Ventura, não. Ele chega quando tudo está perdido — e insiste em ficar quando tudo começa a fazer sentido.
Talvez por isso incomode. Porque, num país que confunde urgência com destino, Jair Ventura ousa propor algo subversivo: o tempo como método.


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